Revisitando meus texto ensaísticos de crítica de Arte.
Copos
plásticos transparentes...
Copos plásticos transparentes, destes
descartáveis, e canudos que encontramos em bares, sobre as mesas, sempre a
nossa disposição... Nada mais banal, nada mais invisível na nossa cotidianidade.
São como os edifícios da cidade por onde passamos, sem, na maioria das vezes,
nos percebemos deles. Eles estão lá, expostos, dados a disposição de nosso
olhar, mas não o vemos. A jovem Giane Nazário, tomando estes objetos invisíveis
e inscrevendo uma pequena mensagem, Eu
não te esperava, a mão, por meio de um carimbo, com tinta off-set, procura repor o objeto, mas não
só, no campo da visibilidade.
A jovem, também, escolheu um lugar de
passagem, da cotidianidade do intervalo escolar: o bar do CEART, na UDESC. Tal
ambiente propicia a aleatoriedade da descoberta, ou seja, da visibilidade dos
objetos, pois nem todos, ao sorverem seus líquidos, darão conta de que os copos
e os canudos trazem uma mensagem. Alguns, certamente, perceberão tal mensagem e
por ela serão tocados... É conforme a sensibilidade de cada pessoa que um
objeto, outrora invisível, sem significação, adquirirá significação. Dar conta
desta significação final está no universo das múltiplas possibilidades...
É impossível não se perguntar: Isto é arte?[1]
Dentro das respostas possíveis, alguns visualizam arte, ou melhor, a atitude do
artista como um olhar que engendra uma nova realidade, na medida em que aponta
para uma visada, da qual não nos damos conta. Tal é o papel do trabalho em
questão.
Como já foi dito, o trabalho nos remete a
banalidade do nosso cotidiano, procurando tornar visível àquilo que diariamente
usamos e jogamos fora, sem ao menos nos darmos conta de tais objetos. A
mensagem, Eu não te esperava, de teor
intimista, nos leva a refletir sobre o inusitado de um objeto que chama à
afetividade, ao contato...
Copo e canudo são objetos que vão à boca,
onde os líquidos — o da boca e o do copo, passando ou não por um canal: o canudo
— se misturam, como numa carícia: um beijo. Remetendo, o sorver ao erotismo, à
paixão... Há um quê de remissão à carência, à solidão em meio à multidão, à
efemeridade de nossas relações, mesmo as afetivas...
Seu
valor de exposição contrapõe-se ao valor de culto da arte tradicional,
repondo a fala benjaminiana[2],
reforçado por uma reprodutibilidade,
por parte da impressão gráfica e da vasta quantidade de objetos
industrializados – os copos e os canudos – que podem ser usados, como objetos
multiplicadores. Tal aspecto é, entre outros, um dos motores da arte
contemporânea. O que remete esta arte não mais aos espaços tradicionais —
museus, galerias, salas de exposição —, mas ao espaço da vida diária... Assim,
a arte recupera um papel catártico e aproximativo.
Aproximativo, pois a distância
entre a manifestação artística e o público é quebrada, na medida em que o teor aurético é retirado; e a própria visibilidade,
tanto da manifestação artística quanto do cotidiano, se confunde. Vida e arte
justapostas...
Catártico, pois pode
propiciar no “espectador” uma reflexão de suas próprias relações com seu dia a dia,
com as coisas mais simples da vida, com a própria vida... Tal situação, como
pensava Aristóteles[3], refletindo sobre o papel
da tragédia principalmente, pode, ao repor uma significação da cotidianidade do
“espectador”, aprimorar, melhorar sua própria vida. No caso aristotélico
tratava-se de revisar e adquirir, ou melhor, se aproximar de uma excelência
moral. Aqui, talvez a excelência moral também esteja incluída — afinal está se
remetendo as relações sociais e a nossos comportamentos perante estas relações —,
assim como no estagirita, o aspecto estético
— entendido tanto no seu sentido etimológico de sensação e sensibilidade,
quanto no sentido de teor artístico é o propiciador desse projeto.
Num mundo tão frenético, doentio e carente
como o nosso, uma arte que repõe a sensibilidade e a visibilidade é de grande
importância...
São José, final da manhã de 11 de
julho de 2008.
[1] Tendo esta pergunta como uma das
inquietações — aqui, se desviando um pouco e colocando outras questões, que
estão apenas implícitas no texto —, escrevi outrora: “Modernamente o uso da palavra
aparece em obras como colagens:
recortes de jornais, bilhetes de passagens são colados a uma série de outros
elementos. Isto pode querer indicar a cotidianidade, diferenciando-se de temas
nobres, onde o grotesco, o banal, o dia a dia são tomados como inadequados.
Mas, é exatamente a modernidade que
coloca de forma mais acentuada estes temas. Chegamos, assim, aos objetos duchampianos: o deslocamento de referenciais tradicionais
para outros ambientes de significação
estranhos aos anteriores. Neste
ambiente, o que vale é o conceito e
não o resultado conceitual — obra
termina, como objeto de exposição.
Chegamos ao limite da definição de Arte. O problema estaria em saber o que é, o
que não é Arte. Na vaga deste impasse, muitas coisas já se colocaram no mundo
artístico e, ao que parece, a radicalidade Dadá
está se diluindo em novas possibilidades
de expressão. Os desejos de ruptura
criam novos paradigmas estéticos, que
vão, aos poucos, consolidando-se e ao mesmo tempo que cada parte — linha, cor, som, gesto — procura sua autonomia, interage com os outros
elementos de uma forma sinestésica,
ou seja, o que outrora era forma
agora pode ser cor-forma ou forma-cor, o que era palavra pode ser objeto tátil, palavra-objeto,
gestualidade; o que era escultura pode ser sonoridade-escultural... É um sentido estimulado por outro. Um
trazer outro (alegoria) por algo,
aparentemente, transgressor do primeiro. Neste sentido, ao mesmo tempo que fragmenta — tomando apenas uma parte: cor, som, linha gesto, forma... — unifica, em função da intertextualidade da interpenetrabilidade de linguagens. A parte contém o todo. E a pergunta
perdura: onde está o limite? O limite é uma criação humana, as coisas são um emaranhado relacional, do qual tomamos
uma parte para tentar dizê-lo, pensamos com isso dizer tudo.” (1997)
[2] Confira, particularmente, o ensaio
de 1935-6, A obra
de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.
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