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Mostrando postagens de 2018

Como ensino filosofia? # 18 - Ensinar para todos é uma utopia

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Ensinar para todos é uma utopia   As reflexões feitas nesta série partem diretamente do chão da sala de aula, do fazer diário da educação junto aos jovens do ensino médio. Assim, o princípio geral de que “ensinar para todos é uma utopia”, talvez pareça de início uma posição conformista, ou mesmo exclusivista, sugerindo a imagem daquele professor que só dá atenção aos seus alunos mais interessados e capazes. Mas não é isso que pretendo afirmar.    A noção de que muito raramente se consegue a atenção plena de uma turma de ensino médio advém de uma posição realista e me ajuda justamente a não comprometer tanto a dinâmica das minhas aulas, como a maioria dos professores costuma fazer ao intercalar a exposição do conteúdo com chamadas de atenção e broncas recorrentes. Ao manter uma “expectativa de audiência” um pouco mais baixa, eu vou seguindo com minha exposição ou comentários e permito que os alunos se incluam cada um a seu tempo no ritmo da aula. As vezes isso ocorre natural

Como ensino filosofia? # 17 - Como ler um texto?

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Como ler um texto?  Este é um artigo aporético.   Me lembro que quando comecei a pensar seriamente em dar aulas de filosofa, eu me enxergava selecionando trechos de textos filosóficos e lendo com meus alunos. Embora soubesse das dificuldades para fazer com que jovens leiam mais e melhor, e embora ciente das dificuldades específicas que envolvem a leitura filosófica, eu pensava que talvez o segredo estivesse na seleção correta de pequenos trechos e em um trabalho mais atencioso de leitura conjunta. O empenho do professor deveria fazer a diferença. Eu iria então, com paciência, avançando na exposição e compreensão de pequenas partes do texto e esclarecendo ideias que não estavam evidentes aos alunos. Estes por sua vez, gradualmente começariam a compreender o texto em sua inteireza, reconhecer o seu valor enquanto uma “peça do pensamento humano” e, talvez, até admirar a habilidade do autor em conduzir nossa reflexão através de palavras tão bem colocadas… Mas isso foi um sonho que em

Como ensino filosofia? # 16 - Sobre ouvir música

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Sobre ouvir música   Se eu tivesse na escola minha própria “sala de filosofia”, onde recebesse todas as minhas turmas para as aulas, então certamente eu teria lá um toca-discos. Aí meus alunos poderiam vivenciar a experiência completa de ouvir o álbum de um artista ou de uma banda: enquanto os ouvidos acompanham a música, as mãos e os olhos investigam a capa do disco, o encarte e as letras. Uma atenção maior talvez revele o ano da obra e outros detalhes técnicos da gravação; algo muito diferente de simplesmente baixar todas as músicas de seu artista preferido em mp3.    Mas de volta do sonho para a realidade das salas de aula, apesar do potencial das músicas como conteúdo para o ensino de filosofia, foi necessário um esforço considerável para vencer as dificuldades envolvidas em apresentar uma música para meus alunos. Como eu disse no vídeo, conseguir a atenção e o silêncio de uma turma inteira a ponto de apreender a letra de uma música não é tarefa fácil!    Uma das formas m

A GRANDE ARTE: VIVER E SER FELIZ

Eis um dos bons textos produzido na Unidade de aprendizagem "Filosofia na Grécia Antiga". A GRANDE ARTE: VIVER E SER FELIZ Edvaldo Nazareno Carvalho Faria [*] Se não revelar o que penso através de uma declaração formal, o farei através de minha conduta. Não julgais que ações são provas mais confiáveis do que palavras? (SÓCRATES, 2012). Apaguemos a lanterna de Diógenes; achei um homem. (ASSIS, 1997). Se o que você possui lhe parece insuficiente, então, mesmo que você possua o mundo, ainda irá sentir-se infeliz. (SÊNECA, 2000). Do que eu preciso para ser feliz? Essa enquete poderia ser feita nos dias de hoje e obter-se-iam sugestões como estas: dinheiro, muito dinheiro; bens, em grande quantidade; “um milhão de amigos”, diria um cantor popular. Parece inacreditável, mas há dois milênios muitos filósofos debruçaram sobre essa questão e nos surpreenderam com suas inusitadas sugestões para se adentrar o território da Felicidade. Homens como Antístenes de Atenas

Como ensino filosofia? # 15 - Avaliar menos

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        Avaliar menos    Dando continuidade ao tema das provas levantado no post anterior, trago hoje a proposta de avaliar menos como um princípio geral que tenho adotado em minhas aulas de filosofia. Como disse no vídeo, todo processo de aprendizagem requer momentos de avaliação como parte essencial de seu desenvolvimento. Mas e quando o número de avaliações é maior do que as oportunidades de aprendizagem? Este me parece um problema evidente no contexto do ensino escolar atual.   No vídeo me referi especificamente a provas, mas certamente professores se utilizam de um repertório bem variado de instrumentos de avaliação, como tarefas de casa, pesquisas, trabalhos em grupo com apresentação oral, redações e por aí vai. Esta variedade de instrumentos para avaliar o desempenho do aluno é importante e pode trazer mais dinâmica ao andamento de cada disciplina.   Vou deixar o tema mais profundo da reflexão crítica sobre o papel das provas na educação escolar para um outro momento. Aqui

Como ensino filosofia # 14 - Entregando as provas

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  Eu ainda pretendo discutir criticamente sobre o papel das avaliações na educação escolar, mas esta é uma tarefa para uma próxima fase desta série. Por hora, estou partindo do ensino como ele está dado, dia após dia na rotina da maioria das escolas. E neste contexto, o momento da entrega das provas é uma situação de ansiedade para muitos alunos e frustração para outros.   Se imagine recebendo uma prova com uma nota bem baixa. Imagine que esta prova nem lhe foi entregue pelo próprio professor, mas por um colega que ficou incumbido desta tarefa. A correção em vermelho apenas assinala com um x que algumas respostas estão erradas; nem um comentário escrito, nem um comentário verbal ou sequer um olhar. Neste caso, obviamente o aprendizado através deste instrumento de avaliação não se dará pelo reforço positivo a uma resposta correta. A prova sinaliza que as respostas não estão bem e o aprendizado está condicionado então ao momento da correção da prova pelo professor. Prestando atenç

Como ensino filosofia? # 13 - Assistindo um filme em sala de aula

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  Quando eu frequentei a escola, nos anos 90, o recurso audiovisual nas aulas era coisa rara. Ao menos na minha experiência, assistir um filme em aula como parte do estudo de um conteúdo era algo incomum que, por si só, já despertava interesse e prendia a atenção. Mas os tempos são outros e o uso de recursos audiovisuais na escola tornou-se corriqueiro. Os alunos continuam gostando, mas nem sempre pela possibilidade de aprender de uma forma diferente. Muitas vezes a ocasião de ver um vídeo representa para eles apenas a oportunidade de passar uma aula “sem fazer nada”. Nem sempre está claro para todos que a tarefa de assistir um filme, documentário ou animação também é uma modalidade de aprendizado.   Neste sentido é muito importante: -O trabalho de contextualização do conteúdo audiovisual em relação ao que está sendo ensinado. O vídeo precisa fazer sentido em relação àquilo que está sendo desenvolvido nas aulas. Mais do que isso, esse sentido precisa ser claramente explicitado aos a

Como ensino filosofia? # 12 - É preciso rir!

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                   Eu faço do riso uma ferramenta de boa convivência em minhas aulas de filosofia. Isso não implica rir de qualquer coisa a todo momento, nem rir dos outros, de forma desrespeitosa. Eu rio com os meus alunos, celebrando o fato de estarmos con-vivendo juntos a cada semana. Afinal, por que a sala de aula (na presença do professor) precisa ser um ambiente estéril ao riso?   Conforme descrevo no vídeo, reprimir o riso pode ser um hábito irrefletido do professor em sala de aula. Talvez o façamos simplesmente por que assim fizeram conosco (#3 - ensinamos o que aprendemos), ou talvez com medo de perder a seriedade e a concentração que uma aula exige e, mais ainda, o controle em sala de aula (#4).   É claro que faz parte do trabalho do professor manter o foco e constantemente trazer seus alunos “de volta” para o tema da aula. Mas será que isso precisa necessariamente ser feito através de censuras e repreensões? É bom lembrar que a cada “poda” de uma fala ou situa

Como ensino filosofia? # 11 - Sobre contar uma história

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  Contar uma história pode ser uma excelente ferramenta para o ensino de filosofia. Com uma boa história é possível criar aquele momento em que se consegue prender a atenção dos alunos e trazer suas consciências para um mundo diferente. Mas é preciso fazer disso algo especial; uma verdadeira contação de histórias e não apenas uma descrição didática (e tediosa).   É claro que você pode se preparar especialmente para isso, estudando e conhecendo mais sobre a arte da contação de histórias. Mas é algo bastante intuitivo que qualquer um pode tentar, por que, como diz o ditado, “quem conta um conto aumenta um ponto”. Assim, sem pensar muito tente contar uma história para seus alunos quando surgir a oportunidade. Você verá que uma janela aberta para o universo lúdico pode ajudar bastante.E a cada vez que você contar uma história, vá observando que parte as pessoas gostam mais, que partes são engraçadas ou curiosas e vale a pena dar mais ênfase. Vez por outra você vai se pegar descreven

Como ensino filosofia? #10 - A arte da convivência

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Parte III - práticas de ensino   Até aqui os vídeos e postagens desta série Como ensino filosofia? abordaram o ensino de filosofia no nível médio apenas a partir do conteúdo. Mas nos últimos anos me dei conta de que ensinar o conteúdo de filosofia é apenas a metade do que eu ensino nas salas de aulas. E, considerando a particularidade dos meus companheiros de trabalho (falo dos meus alunos), em muitos casos é a parte menos importante. Sendo assim, o que mais eu ensino? Tantas coisas que eu nem sei…   Digamos que o conteúdo é o “recheio”, o estofo teórico de uma aula. Mas além disso uma aula é um encontro de sujeitos, é um momento de convivência onde o que acontece é o cruzamento de dois mundos: o do professor e o dos alunos (enquanto turma, fora os “muitos mundos”, enquanto indivíduos). Então, se eu limito minha interação com meus alunos ao meu objetivo imediato de “passar um conteúdo”, estou aproveitando pouco do que a ocasião deste encontro pode proporcionar em termos de possib

Como ensino filosofia? # 9 - O currículo I / terceiro ano

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Segue o link para minhas aulas de filosofia do terceiro ano do ensino médio: https://docs.google.com/document/d/1E_l-egBzowTxwwP_oKM_rkHYM2NPxC5i56nfkmwaT9Q/edit?usp=sharing   Pensando no meu plano de ensino de filosofia para o nível médio como um todo, o conteúdo do terceiro ano pretende fazer o fechamento deste percurso mostrando críticas filosóficas à nossa civilização tecnológico-industrial. Além de filósofos que elaboraram estas críticas em suas obras, encontrei no tema da contracultura uma maneira de tentar mostrar tais críticas encarnadas em atitudes e posturas diante da vida, não apenas em ideias. Funcionou? Mais ou menos.   Confesso que foi um choque perceber gradualmente que o estudo das ideias dos movimentos de contracultura dos anos 60 e 70, tema que tanto me interessava em minha juventude (e ainda interessa) não assume muita significação para boa parte dos meus alunos, talvez a maioria. Me lembro de ter ficado de boca aberta quando uma aluna do terceiro ano noturno me d